segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A revelação de Heródoto


Existe uma lenda muito antiga que devido à situação em que o mundo se encontra hoje, decidi contar. Esta lenda encontra-se num relato muito particular escrito em um dos diários de Heródoto, o grego conhecido como pai da História, e conta uma realidade extremamente singular sobre a lua.

O relato está nas últimas páginas do último diário, do dia 27 de setembro, de 420 a.C. Apesar de ter o documento em mãos, com fins de resumo e simplificação, contarei uma parte da história com as minhas próprias palavras...

Segundo a escritura, neste dia, Heródoto decidira, após acordar de um sonho aflito e misterioso, cavalgar de Atenas até o oráculo de Delfos. A localização fica a um dia de viagem a cavalo. E assim o fez. Saiu de manhã e chegou às primeiras horas da madrugada.

Ao chegar, estranhou. Na entrada não havia ninguém, assim como também não havia na via sacra que se segue subindo a colina, antes de se chegar ao templo do oráculo {o oráculo de Delfos que se encontra dentro do templo de Apolo está empoleirado numa colina e, antes de alcançá-lo existe uma trilha a ser seguida. Nesta trila ou, via sacra, os visitantes do templo deixavam suas ofertas e recompensas pela sabedoria que receberiam}. Nevava, mas não tinha vento. A própria atmosfera se fazia gelada. Heródoto continuou subindo a cavalo até o portal do santuário. A noite estava extremamente clara, pois a lua se fazia mais cheia do que nunca. Silêncio. O homem desceu do cavalo e abriu vagarosamente as portas do templo. Ao entrar, tudo se fez escuridão. Assustado, saiu novamente e encontrou a claridade proferida da lua. O mistério é que agora a luz vinha de outra direção e quase o cegava. Heródoto se deparou com uma figura que não sabia se podia julgar como um humano. Talvez a imagem, por meios de descrição, se aproxime da nossa imaginação da maneira em que hoje atribuímos aos arcanjos. A luz incidia em seus olhos e vinham das asas abertas. Abertas como as águias o fazem durante o banho de sol matinal. As asas eram do branco mais puro que uma perola jamais poderá pensar encontrar em sua constituição, e se encontravam enfiadas firmemente no corpo nu daquela figura andrógena, pálida e fisicamente perfeita. Heródoto, num gesto instintivo levou as mãos aos olhos e os fechou como forma de proteção, e foi abrindo novamente aos poucos. Sentiu vertigem. A figura, de costas, movimentou suavemente as suas asas, de maneira em que as pontas se encontrassem formando uma esfera. Foi então que o homem que buscava o oráculo se viu completamente pasmo. A própria lua cheia encontrava-se prostrada diante dele e agora podia ver até as manchas sombrias mediante ao branco reluzente. Procurou desesperadamente o corpo celeste nos céus entre as estrelas, não encontrou, pois estava era no solo, diante dele e formada pela figura peculiar. O ser então se movimentou novamente abrindo seus membros alados, deformando o que antes era conhecida como lua e profetizou palavras inteligíveis. Sua voz parecia a de mil pessoas falando ao mesmo tempo, entre homens, mulheres, idosos e crianças, criando um som gutural.

- “Tu serás lembrado durante milênios como o primeiro contador de histórias. Mas tuas histórias estarão embasadas em relatos factuais e a humanidade acreditará no que ler e ouvir de ti”. – dizia calmamente o ser a Heródoto. – “Lá de cima, controlarei as forças naturais de tua Terra, humano. Mas quando digo tua, digo a tua raça e também as outras, assim como as pedras que sustentam este monumento atrás de ti, assim como esta rosa que agora pisas com tua sandália suja de medo. Controlarei o movimento dos oceanos e das marés. Darei claridade à escuridão da noite. Reinarei a noite em tua casa. Casa esta que me refiro a tudo que encontras a tua volta”. – aumentando o tom da voz, continuou. – “Serei essencialmente vital a tua espécie. Em troca guardo que não tentem contra as forças que estão acima de tua humilde e breve existência, ou voarei daqui para bem longe, onde outros darão razão ao meu leito. Não queria dominar aquilo que não foi feito para ser dominado. Respeite sabiamente o que está a tua volta, e serás respeitado”. – diminuindo outra vez o tom da voz, terminou. – “Vá agora, criatura, e guarde este relato fielmente. Que a tua espécie só saiba da minha verdadeira natureza quando não mais notarem a minha presença”. – fez-se então escuridão total. O contador de histórias se sentiu infinitamente insignificante, cambaleou turvamente até encontrar suporte num dos pilares do templo.

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Segue abaixo o trecho final das anotações de Heródoto, agora uma citação literal:

“A espécie humana obteve uma dádiva fenomenal que, creio eu, outras espécies não obtiveram, mas não ouso afirmar de fato. Esta dádiva é a de poder refletir sobre os nossos atos, ou seja, se assim desejarmos, não cometemos os mesmo erro duas vezes. Podemos: pensar, lembrar, relembrar e filosofar. A meu ver, o ser que me deparei ontem, acredita que podemos como espécie integrante deste mundo, buscar um equilíbrio permanente com os outros elementos. Mas teme, justamente por termos recebido este dom. Dom este que não sei de onde veio: se roubamos, ou se ganhamos por merecer. Por isso, imagino que ela não quer que sua verdadeira face seja revelada antes da hora. Talvez tema que tentaremos matá-la, como fazemos com os outros seres vivos e assim causando nossa própria extinção. De todo modo, seu recado ficará registrado e será guardado às gerações vindouras”.

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Nunca mais encontraram outras anotações deste homem depois desta data. Dizem que no dia seguinte, foi deitar-se devido a uma forte dor de cabeça, mas nunca mais acordou. Conto esta lenda para quem quiser ler ou ouvir, mas não acredito que será útil e tenho um motivo para pensar assim. Particularmente, acho que a dádiva que Heródoto cita, nós acabamos perdendo com o tempo, se não perdendo, modificamo-la, pois temos cometidos os mesmos erros por muito tempo a ponto de hoje em dia se falar exaustivamente em fim da raça humana. Este relato não vai ser útil enquanto não aprendermos a dar verdadeiro valor ao passado.

Enfim, este documento antigo eu encontrei enfiado na terra da minha roseira enquanto a adubava. Estava escrito em grego num papiro antigo, mas dei meu jeito para traduzi-lo. Agora eu vou me deitar, minha cabeça lateja de dor.