sexta-feira, 16 de outubro de 2009


Saí àquela noite as pressas. Apavorado, não sabia o que fazer,
ou para onde ir. Peguei o carro, liguei o rádio no volume máximo,
mas o som me parecia um sussurro. Conhecia as letras das músicas,
mas não conseguia cantá-las. Conhecia as ruas em que passava,
mas não sabia onde elas iam terminar. Minha mente e meu corpo
vagavam por dimensões completamente distintas. O mais intrigante
é que eu tinha plena consciência disso. "Um maço de cigarros
e um isqueiro, por favor" - disse em algum momento daquela
madrugada.
Desde quando minha mente foge para tão longe assim
sem a minha própria permissão? Os ponteiros do relógio pareciam
estranhamente exaustos e mediam esforços para se moverem.
O cigarro nada me causava. O vento não estava frio e nem quente.
Não conseguia fixar meu olhar num mesmo ponto.
Onde haveria ido meu corpo agora? Me assustei com esse sentimento
novo que nunca antes havia me visitado. Não sabia o que fazer.
Me peguei caminhando pela rua e com o celular nas mãos. Olhei.
Eu havia selecionado um número. Disquei. "Não quer dar uma volta?",
"Te espero aqui".
O que eu havia acabado de fazer? Em breve cutucaria
uma ferida profunda que superficialmente já havia cicatrizado.
E qual o problema nisso? Meu corpo não mais caminha comigo.
O que importa?
"Senti saudades". Aquele olhar me atacou. Percebi que tinha sido enganado, tomei um golpe gelado no peito seguido de um calafrio. Meu corpo estava presente de corpo inteiro. Segurei
aquelas mãos macias, delicadas e aquecidas. Senti um calor tomar
conta de mim. Aquelas mãos caminharam meu corpo. Quase
entrei em êxtase. De onde veio essa sensibilidade que há pouco
estava tão longe ou não existia? O que eu havia acabado de fazer?
Estávamos na mais profunda união entre dois corpos e eu hipnotizado.
Por um segundo desejei não sair dali nunca mais. Havia gozado de
tudo que a vida poderia me oferecer. Não queria mais nada além
daquele momento, só queria que ele fosse eterno. Então ela se
levantou, enrolou o lençol no quadril e começou a se distanciar
de mim. Ia em direção a porta. O que eu haveria de fazer? Já sabia
que aquilo iria acontecer. Mas para minha surpresa, ela chegou até
a porta e a trancou. Jogou as chaves o mais longe que pode pela
janela e voltou para os meus braços já abertos para recebê-la.
O perfume nunca havia me abandonado.

"Ei, Ei, rapaz, você tem fogo aí?"
Me peguei parado no meio da rua.
Olhava fixamente para uma janela fechada. Alguém na minha frente
falava comigo. Meu cigarro havia queimado inteiro sem que eu
desse se quer uma tragada. Levei as mãos ao bolso e dei o isqueiro
ao estranho.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Corre, Jeremias, corre!


É , Jeremias. Agora sim. “A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou”. O avião partiu, e você ficou. Ficou no meio do deserto. Não era você que tinha tudo, Jeremias? Afinal, o jatinho era seu, a empresa era sua, os amigos eram seus. A mulher era só sua?
Calma, meu amigo, ainda tem centenas de notas de cem nos bolsos. Está tudo bem. Tem com o que limpar as partes. Santo petróleo! Aliás, vai saber não está agora bem cima de uma das maiores reservas ainda não descoberta! Veja bem, as coisas ainda podem ser vistas pelo “lado bom”. O que? Vai me dizer que vai passar frio com um terno Aramis?
Quer saber por que seus sócios fizeram isso? Bom, são seres humanos como você, oras. São pessoas amáveis e confiáveis. Por isso dividiram o seu dinheiro e a sua esposa. Mas muitos se orgulham de você, meu caro. Que homem trabalhador você é!

Chega aqui perto deixa eu te falar uma coisa de amigo para amigo. A Marta, sua esposa, que mulher maravilhosa! Mas ela cansou de diamantes, ela queria um marido. E o pequeno Jorge, menino sortudo, sempre teve tudo que quis, menos um pai. Jeremias, quando a gente gosta, a gente cuida.
Enfim, teve gente aí que sobreviveu quarenta dias no deserto, não é mesmo? Vai, vai que dá tempo. Corre, Jeremias, corre!